sexta-feira, julho 27, 2007

A partida do tempo

Um dia o tempo bateu na minha janela e disse com espantosa naturalidade, "estavas à minha espera", confesso que não percebi de imediato o que me queria dizer com aquelas palavras tão simples, tantas vezes ouvidas não da boca deste meu inesperado interlocutor, mas repetidas vezes sem conta noutras ocasiões.
Antes de abrir a janela, ponderei nas suas palavras e empreendi uma busca interior para perceber o que levava o tempo a dirigir-se a mim para me dizer algo que era simples como confuso. Pensei se alguma vez o chamara, ainda que nos mais íntimos pensamentos, se teria em 'tempos' pedido que se apresentasse como agora o fazia, no local mais inesperado, na hora mais estranha.
Não quis admitir de pronto, mas no fundo sabia que por mais de uma ocasião dependera do tempo, tantas vezes pensara, isso passa com o tempo, sem ter a certeza que assim seria, como da vez em que pensei que se desse algum tempo tudo se resolveria, e o tempo passou, e tudo se resolveu, embora não da forma como idealizara. Mas abri a janela e aceitei a sua ajuda quando me disse, (embora as palavras saíssem da minha boca e não da sua) "vou curar tudo, como sempre faço, comigo vais esquecer e as coisas ficarão melhores, confia em mim!"
Confiei nas palavras que disse quando me usou como instrumento para o fazer, e por mim passou, e tudo curou, muito vivi e nesse período muito esqueci, o que necessitava esquecer, e coisas que não devia ter esquecido, mas o processo de cura provavelmente funciona assim mesmo. Foi nesse período, ou processo, que o tempo se tornou o meu melhor amigo, ou melhor aliado, ao apagar o que ajudara a criar, ao tirar da memória o que dura anos a aprender e apreender, e aceitei isso como uma benção, como uma nova oportunidade que me era dado por este anjo sem rosto, corpo ou alma.
Enquanto ele vai passando por nós, com as contrariedades a que somos sujeitos, creio que vai construindo escudos invisíveis para nos proteger, mas um grande líder pode orientar a sua linha defensiva o melhor que saiba e mesmo assim na hora da batalha, esta pode ceder se não fôr verdadeiramente sólida, os escudos ou protecções que vamos adquirindo, são demasiado frágeis para o que muitas vezes queríamos que elas fossem, mas mais fortes do que admitimos.
Ignorando o último parágrafo pela confusão de ideias que não explica da melhor forma, o melhor é dizer o que quero no fundo, que é mostrar que tanto me esforcei por esquecer, que o tempo passou, e passou demais, e hoje sei que mais do que esquecer, vejo-me confrontado com um problema maior, já não me lembrar... E essa foi a grande partida que o tempo me pregou ao ajudar-me a esquecer, apagou o que de mau e de bom eu queria sempre recordar, e com essa eu não esperava.
Resta-me fechar a janela, e encarar o tempo de frente.